Confira entrevista da Dra. Lenise Garcia ao site da Arquidiocese de Brasília:
Site da Arquidiocese: Matar bebês diagnosticados com microcefalia ainda dentro do útero materno pode ser considerado eugenia?
Lenise Garcia: Sim. Inclusive, tecnicamente, a legislação de vários países que permitem o aborto de crianças com malformações chama esse aborto de eugênico.
Há histórico de casos de microcefalia fetal em que exista impedimento para vida extrauterina? E de morte fetal ainda no útero materno?
O histórico da microcefalia provocada por vírus zica é ainda muito pequeno. Mas o próprio Conselho Federal de Medicina disse em nota que “no caso de fetos com diagnóstico de microcefalia, em princípio, não há incompatibilidade com a vida.” O aborto espontâneo pode acontecer, mas naturalmente isso não autoriza que seja induzido.
Quais os principais limites de alguém que sofre com microcefalia?
Há um retardo no desenvolvimento intelectual e motor. Entretanto, pode haver uma diferença no padrão da microcefalia provocada pelo vírus zica, por enquanto só diagnosticada em recém-nascidos, portanto sem histórico de desenvolvimento.
Por que a mulher não teria o direito de escolher pelo aborto em casos de microcefalia, mesmo em situações mais graves?
Crianças com deficiência devem ser especialmente protegidas e ajudadas, e não descartadas. As suas famílias também merecem todo o apoio. O aborto nunca é uma solução, pois mata uma criança inocente, deixando marcas físicas e principalmente psíquicas e espirituais na mãe e nos outros envolvidos. Antes de engravidar, a mulher tem a escolha entre ser mãe ou não. Depois de grávida, sua escolha seria a de ser mãe de um filho vivo ou de um filho morto.
A jurisprudência para casos de anencefalia pode ser utilizada para os de microcefalia?
Não, as situações são totalmente diferentes e a decisão do STF que autorizou o aborto de anencéfalos foi bem específica em falar em “incompatibilidade com a vida”. Vale dizer que inclusive nesse caso o termo é impróprio, uma vez que temos várias crianças anencéfalas que viveram vários anos, mas certamente a expressão não se aplica para a microcefalia.
Vale a justificativa de que se o Estado não faz sua parte para combater o vírus zica, a mulher pode escolher por abortar?
De modo algum, pois a criança e sua família seriam duplamente vítimas.
O Ministério da Saúde chegou a pedir para as mulheres não engravidarem por conta dos casos de zica relacionados à microcefalia. Qual a sua opinião?
Toda gravidez sempre comporta um risco. Assim, por questões de “segurança”, as mulheres não poderiam engravidar nunca, e essa atitude levaria ao rápido fim da humanidade por falta de uma próxima geração. A proposta até poderia ser considerada se houvesse uma epidemia com números muito expressivos e perspectiva de um rápido término. Mas não é esse o caso, na verdade a expectativa é de que os números da zica aumentem e encaminhem-se para uma endemia. Por quanto tempo as mulheres ficarão sem engravidar? A meu ver, esse é um pedido para fugir às próprias responsabilidades do Ministério.
Há uma previsão de cenário sobre o impacto dos casos de microcefalia nas incidências de aborto no país?
Algumas pessoas estão tentando fazer uma correlação entre microcefalia e aborto, mas não me parece que haja fundamento para isso. É preciso também lembrar que há muitas outras malformações que sempre ocorreram, inclusive a microcefalia por outras causas, sem que fossem consideradas um motivo para se rever a legislação sobre o aborto.
*Entrevista publicada originalmente no site da Arquidiocese de Brasília
* Imagem ilustrativa (Crédito: Clayton, Bruna e Otávio via VisualHunt / CC BY-NC-ND)