Esclarecimentos sobre a proposta de Código Penal Brasileiro que tramita no Senado
Lenise Garcia
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal está prestes a votar, no próximo dia 17/12, o PLS 236/2012, que trata da reforma do Código Penal brasileiro. A tramitação dessa proposta tem sido cheia de sobressaltos, com pouco tempo para análise. A questão se complica ainda mais porque o texto é muito longo, e as versões apresentadas para o texto total no site do Senado não incorporam, até onde pudemos detectar, importantes mudanças que ocorreram em plenário, no dia da votação pela subcomissão que analisou o relatório do Senador Pedro Taques, e que são, portanto, o texto oficial.
Atendo-me aos trechos que dizem respeito ao aborto, resgato abaixo a ata daquela votação, publicada no Diário Oficial do Senado no dia 19 de dezembro de 2013. É ao texto aprovado com essas modificações que faz referência o Senador Vital do Rego em seu relatório.
Estamos acompanhando de perto os encaminhamentos, inclusive possíveis emendas que querem retomar a formulação anterior, que permite o aborto em muitos casos. Dada a complexidade da questão, sugerimos que a população se manifeste ao Senado pelo site senado.leg.br ou pelo telefone 0800-612211 sem fazer menção ao relatório ou a textos específicos, mas apenas solicitando que se mantenha, no novo Código Penal, a atual legislação sobre o aborto.
COMISSÃO ESPECIAL INTERNA DO SENADO FEDERAL DESTINADA A EXAMINAR O PROJETO DE LEI DO SENADO FEDERAL Nº 236, DE 2012, QUE REFORMA O CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
ATA DA 17ª REUNIÃO
Seção de 18/12/2013 publicada em 19/12/2013
Pedro Taques (pg 138 ) No tocante ao abortamento, no art. 127 – “Não há crime de aborto praticado por médico se houver risco à vida ou” – aqui existe uma conjunção alternativa – “ou à saúde da gestante” – esse termo “à saúde” pode trazer dúvidas na sua aplicação, em razão da Convenção do Cairo, de que a República Federativa do Brasil é signatária, que dá extensão à saúde a algo mais abrangente, como saúde física e saúde mental. Aqui o Senador Magno Malta, o Senador Vital do Rêgo e o Senador Ferraço trouxeram contribuições valiosas, argumentos valiosos, que nós aqui vamos manter o texto no relatório. Existe quem tenha posição contrária a isso, e vão debater isso em Plenário. Mantenho o texto de 1940 – “se não há outro meio de salvar a vida da gestante” – no 127, com a mesma redação.
Pg 139 O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB – ES) –… para um esclarecimento em relação ao art. 128:
Art. 128 Não há crime de aborto:
I – se houver risco à vida ou à saúde da gestante;
II – se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual ou do emprego não consentido
de técnica de reprodução assistida;
III – se comprovada a anencefalia [isso já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, e, aí, V. Exª se estende] ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem
a vida extrauterina, em ambos os casos atestado por dois médicos.
Isso ficou excluído.
O SR. PEDRO TAQUES (Bloco Apoio Governo/PDT – MT) – Só um minutinho. Hoje a redação do 127 é a seguinte: “Se não há outro meio de salvar a vida da gestante” É o texto de 1940.
Pg 140-1 Aí continuou a Emenda do Senador Vital e Magno Malta:
II – Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou quando incapaz de ser o representante legal.
É o texto de 1940. Igualzinho.
Nós temos uma Emenda do Senador Aloysio porque a Comissão Especial de Juristas trouxe a possibilidade do abortamento até a 12ª semana. No meu relatório eu excluí essa possibilidade; o Senador Aloysio está pedindo a reintrodução desse ponto, mas eu mantive a decisão do Supremo Tribunal Federal no tocante a feto anencéfalo, anencefálico. Nesse ponto, nós precisamos fazer a adequação à decisão do Supremo Tribunal Federal.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/PMDB – ES) – Esse é o limite?
O SR. PEDRO TAQUES (Bloco Apoio Governo/ PDT – MT) – Esse é o limite. A decisão do Supremo é o limite. Existem posições contrárias, e é bom que isso seja ressaltado, mas nesse tema nós precisamos fazer esse debate.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Maioria/ PMDB – ES) – Quem as tiver pode debater.
O SR. PEDRO TAQUES (Bloco Apoio Governo/ PDT – MT) – Exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Eunício Oliveira. Bloco Maioria/PMDB – CE) – O Senador Aloysio pede a palavra.
Tem a palavra V. Exª
…..
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB– SP)
…
Certa vez, surgiu, na 28ª Vara Criminal, onde eu oficiava como Defensor Público, um caso de crime de aborto, e eu fui designado para defender a mulher acusada da interrupção criminosa da gravidez. Eu era Defensor Público, minha função era defender os réus pobres. Era o caso dessa moça. A ré – fui conhecê-la melhor antes da audiência de instrução e julgamento – era uma pessoa muito simples, muito pobre. Trabalhava como empregada doméstica em uma família composta por um casal de idosos e vários filhos, e, em determinado momento de sua vida, engravidou, como resultado não de um casamento, mas de um namoro.
Essa moça conviveu, durante algum tempo, com um drama terrível. Ela tinha receio de revelar a sua situação de gravidez. Na época, não havia ainda a proteção social para garantir a estabilidade durante a gravidez, e ela tinha o receio de enfrentar a censura de seus patrões pelo fato de ter engravidado sem ser casada. E o diálogo que tive com ela evidenciou para mim a completa imaturidade dessa pessoa para enfrentar uma situação tão adversa e tampouco para criar o seu filho sozinha, como acontece com muitas e muitas mulheres neste país. Ela foi levada a abortar. Fez um aborto em condições precárias, em uma curiosa… Daí resultou uma infecção, e essa infecção quase causou a morte dela. Além disso, foi alvo de um inquérito policial e, depois, de um processo judicial que poderia sujeitá-la à pena de prisão.
Os fatos estavam absolutamente comprovados. Não havia dúvida quanto à materialidade, à autoria. Não havia dúvida alguma. E o juiz, um homem rigoroso, conservador e sábio, assim como o representante do Ministério Público, o Promotor de Justiça que atuava naquela vara criminal, antes do julgamento e depois, na instrução, em conversa comigo, todos nós concordamos: há crime, não há dúvida, a lei penal deveria ser aplicada, mas nós não podemos condenar essa mulher. Isso me marcou, e eu relatei essa minha experiência no começo dessa campanha eleitoral.
Eu mantenho a convicção que tenho desde aquele momento. O aborto já é por si mesmo um castigo terrível para as mulheres que são levadas a praticá-lo, inclusive, e, sobretudo, nas condições deploráveis em que a grande maioria das mulheres pobres deste País, quando chegam à conclusão de que não têm condições de arcar psicologicamente, materialmente, culturalmente, com a criação de um filho sob sua exclusiva responsabilidade, decidem pela interrupção da gravidez.
Eu sei que há posições religiosas respeitabilíssimas contra essa minha posição, mas eu acredito que a lei civil no Estado laico deve abrigar todas as opções possíveis. Creio que há também objeções de natureza constitucional, mas que não me parecem ser absolutamente intransponíveis, como mostrou o Supremo Tribunal Federal quando decidiu ainda recentemente no caso dos anencéfalos.
Por isso, Sr. Presidente, proponho a volta ao texto original da Comissão de Juristas nessa matéria, que isenta de pena, ou de crime, o abortamento praticado nas doze primeiras semanas.
O SR. PRESIDENTE (Eunício Oliveira. Bloco Maioria/PMDB – CE) – Senador Aloysio, desculpe-me interrompê-lo. É só para entender: V. Exª apresentou…
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB – SP) – Dei destaque a essa matéria.
O SR. PRESIDENTE (Eunício Oliveira. Bloco Maioria/PMDB – CE) – Apresentou esse destaque?
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB – SP) – Isso.
O SR. PRESIDENTE (Eunício Oliveira. Bloco Maioria/PMDB – CE) – O.k. No momento oportuno eu vou colocar o destaque de V. Exª.
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco Minoria/PSDB – SP) – Desde que sob a orientação de médicos, de profissionais da saúde, em condições que até o meu querido companheiro Jorge Viana poderá depois explicitar.
Igualmente, a questão tormentosa da identidade de gênero, que me valeu, inclusive, a injúria de uma pessoa inteiramente descontrolada que foi ao meu gabinete dizer que a minha posição se assemelhava à pedofilia. Vejam a que delírio essa questão levou determinadas pessoas, extremistas, que gostariam de ter o Brasil regido pela lei da Sharia, dos fundamentalistas. Existe identidade de gênero, homens que não se sentem homens, mulheres que não se sentem mulheres. Existe. É um fenômeno humano, é um fenômeno humano. Eu poderia citar casos conhecidos de transexuais, de transgêneros. Existem. E são objetos de discriminação, o que pode levar à violência contra eles.
Essa é a realidade, infelizmente é a realidade dos fatos. Existe discriminação que leva à violência e que tem que ser, essa violência, criminalizada, sim, como qualquer tipo de violência motivada por discriminação. Eu sou, portanto, favorável à manutenção do texto com a inclusão de identidade de gêneros. Existem homens que não se sentem bem em sua pele de homens, e mulheres que não se sentem bem em sua pele de mulheres. Essas pessoas adotam uma identidade que não é nem homem nem mulher, e isso não se confunde com a orientação sexual, porque há pessoas que se consideram homens e que têm prazer com mulheres, e há mulheres que se consideram, igualmente, de outro gênero e que não são homossexuais na sua vida sexual. Existe. Não fechemos os olhos a isso e não deixemos essas pessoas desprotegidas da lei penal.
Pg 152
O SR. PEDRO TAQUES (Bloco Apoio Governo/ PDT – MT) – Permita-me, Sr. Presidente. O Senador Aloysio Nunes apresentou um destaque para que pudéssemos reincorporar ao substitutivo o texto da Comissão de Juristas. Explico melhor isso. A Comissão de Juristas trouxe a possibilidade do abortamento até a décima segunda semana, no inciso IV. Eu, como Relator do substitutivo, afastei isso; não concordei com a possibilidade do abortamento até a décima segunda semana, porque entendo que isso é inconstitucional e viola o direito à vida. Afastei. O Senador Aloysio está trazendo o destaque do inciso IV do art. 128, para que o projeto incorpore o aborto até a décima segunda semana.
Como Relator, dou o parecer contrário a esse destaque, pois entendo que seria inconstitucional permitirmos o aborto até a décima segunda semana, conforme legislações estrangeiras. Entendo que, na Constituição da República, na proteção à vida de forma global, isso seria inconstitucional.
Qual é o argumento para que tenhamos outras espécies de aborto desde 1940? Em razão do princípio da ponderação, e até já trouxe esses argumentos. Portanto, não concordo com a possibilidade do aborto até a décima segunda semana, porque entendo que isso é inconstitucional. Ponto!
Senador, permita-me. Fiquei de responder ainda a questão da identidade de gênero. O PLC nº 122 não foi analisado pela Comissão do Código Penal. O PLC nº 122 se encontra na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Não faço parte da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa,…
Pg 153
Portanto, eu vou botar em votação, com o parecer contrário do Senador Pedro Taques, a alteração nessa questão do aborto, das 12 semanas, mantendo “não” ao que veio da Comissão de Juristas, “não” às propostas que foram apresentadas, “não” ao destaque do Senador Aloysio Nunes Ferreira e “sim” à proposta que prevaleceu, inclusive com a participação e anuência do Relator, desta Presidência e de vários outros Senadores, respeitando, obviamente, a opinião pessoal de cada membro desta Comissão.
Então, eu vou colocar em votação. Os Srs. Senadores que concordam com o parecer contrário do Relator permaneçam como se acham.
(Pausa.)
Aprovado, com o voto contrário do Senador…
Quer registrar o voto, Senador Aloysio? Levantou o dedo só para isso?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Eunício Oliveira. Bloco Maioria/PMDB – CE) – Registro o voto contrário do Senador Aloysio Nunes Ferreira