DECLARAÇÃO DE BRASÍLIA
26 de março de 2008
1. Nós, cientistas, parlamentares, juristas e lideranças nacionais de movimentos em defesa da vida humana, desde o seu início, estivemos reunidos, em 26 de março de 2008, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), refletindo sobre o que tem sido denominado de “pesquisa com células tronco embrionárias humanas”.
2. Com base nessa expressão, se designa uma linha de pesquisa científica que interrompe em caráter definitivo e irreversível o desenvolvimento do ciclo vital de seres humanos nos primeiros dias de sua existência, ou seja, que os destrói e os mata. Entendemos que o ser humano – em todas as fases de sua vida – , não pode ser manipulado como um objeto ou coisa, dispondo-se de sua vida, não importando a finalidade alegada. O conhecimento científico, consolidado internacionalmente, apresenta vasta bibliografia da ciência médica, especialmente da embriologia, expressando claramente que a vida de cada indivíduo humano se inicia com a fecundação. Isso quer dizer que o espermatozóide (a célula germinativa masculina), funde-se no ovócito ou óvulo (a célula germinativa feminina), determinando o patrimônio genético de um novo e irrepetível indivíduo da espécie. A partir desse momento estão definidos o sexo, as tendências físicas e psicológicas de um novo indivíduo ou pessoa humana. A natureza e a dignidade humanas são indissociáveis dos seres humanos, que só podem resultar de células germinativas humanas – constatação óbvia, mas que parece ignorada por muitos. A natureza e dignidade humanas estão presentes desde o início, ou seja, desde a fecundação, ou não estão presentes nunca. É necessário reconhecê-las desde o primeiro instante, e que permanecem até a morte do indivíduo ou pessoa, que, como confirma o ensinamento da ciência médica, tem um desenvolvimento gradual, progressivo, sem saltos nem “metamorfoses”. Tal processo não se interrompe com o nascimento e prossegue até o início da idade adulta. Pretender classificar os seres humanos, desconsiderando sua realidade biológica e humanidade, adotando critérios utilitaristas ou de “investimento acumulado”, parece contrariar não só os dados da natureza, como também os da cultura nacional, incluído o Direito, que desde os primeiros projetos de codificação civil pátrios, no século XIX, reconhece e protege o nascituro e seus direitos “desde a concepção”, pois o direito à vida é o primeiro e o pressuposto de exercício de todos os demais direitos.
3. Pretende-se contrapor a vida dos embriões congelados na data da promulgação da Lei de Biossegurança, nº 11.105, de 24 de março de 2.005, à terapia e cura de muitos que padecem de doenças graves em nosso País. Não temos receio em afirmar com toda ênfase, que tal dilema é falso; como afirma texto divulgado por 57 cientistas norte-americanos, em 27 de outubro de 2004, bastante atual: “Baseado nas evidências disponíveis, ninguém pode predizer com certeza se as células-tronco embrionárias humanas, em alguma época, produzirão benefícios clínicos, e, muito menos, benefícios que não sejam obtidos por outros meios menos problemáticos do ponto de vista ético”.
4. Ao contrário do que tem sido veiculado e acriticamente aceito pela opinião pública, as células-tronco embrionárias não são a grande panacéia para gerar terapias. Na verdade, são as células-tronco adultas que têm produzido expressivos resultados, que se apresentam ainda mais promissores depois do desenvolvimento da técnica de indução de pluripotencialidade em células adultas. Como o assunto envolve sofisticado conhecimento técnico, as pessoas ficam mais vulneráveis à manipulação da informação. Diante disso, faz-se necessário esclarecer alguns aspectos básicos, que passamos a expor muito sucintamente:
5. As células-tronco embrionárias são, em tese, capazes de gerar todos os tipos celulares humanos (chama-se a isso pluripotência). Apenas em tese, pois isso é o que ocorre in vivo, no desenvolvimento normal e natural do organismo. Entretanto, não existem dados experimentais efetivos que garantam que o mesmo possa ser alcançado in vitro, ou seja, em laboratório, após a destruição e morte dos embriões, dos quais são extraídas suas células para fins de pesquisa. Mais ainda: em termos de terapia, após 10 anos de intensas pesquisas em muitos países com alto padrão de desenvolvimento científico e investimentos de centenas de milhões de dólares, não há nenhum protocolo aprovado com células-tronco embrionárias humanas para testes em pacientes, ou seja, as células-tronco embrionárias humanas, por apresentar graves riscos à vida e saúde dos pacientes, sequer podem ser testadas em seres humanos. No modelo animal, essas células têm resultado na formação de teratomas, rejeição, entre outros problemas graves, não havendo, portanto, segurança para que se prossiga com experimentações em seres humanos.
6. Muito do atual conhecimento sobre o desenvolvimento embrionário, em termos moleculares, advém de estudos feitos com embriões de animais de laboratório.
7. Todos os resultados em seres humanos veiculados pela mídia têm sido obtidos com o uso de células-tronco adultas multipotentes, extraídas da medula óssea, do cordão umbilical e de outros tecidos. Já há mais de 20.000 pacientes em tratamento experimental, envolvendo pelo menos 73 doenças diferentes, em geral com bons resultados para a qualidade de vida dos pacientes.
8. No segundo semestre de 2007, dois importantes trabalhos científicos, um dos quais de um grupo norte-americano liderado pelo Dr Thomsom (o primeiro a obter uma linhagem de células-tronco embrionárias humanas) e outro, coordenado pelo Dr. Yamanaka, no Japão, mostraram a possibilidade de se obter, a partir de células-tronco adultas do próprio paciente, células-tronco humanas pluripotentes sem clonagem e sem destruir o embrião. Estes estudos levaram Ian Wilmut, o “criador” da ovelha Dolly, e uma das autoridades líderes no processo de clonagem por transferência nuclear em células somáticas, a anunciar que ele e sua equipe estavam abandonando, por questões técnicas, a pesquisa em clonagem para fixar-se na investigação de reprogramação celular, que em suas palavras, apresenta “muito mais potencial”.
9. As chamadas células pluripotentes induzidas (iPCs, sigla do inglês), são feitas diretamente de células adultas, acrescentando-se um pequeno número de fatores nestas células em laboratório. Estes fatores remodelam as células maduras convertendo-as em células-tronco funcionalmente idênticas às células obtidas de embrião. Esta técnica pode ser usada, por exemplo, para gerar linhagens específicas de células-tronco para pacientes com doenças genéticas.
10. A reprogramação de células humanas é um dos achados científicos mais significativos do final do século passado; mais importante do que a clonagem da ovelha Dolly. Como diz o próprio Ian Wilmut, a reprogramação direta é “extremamente animadora e surpreendente”. O poder da reprogramação direta é tal que gera células-tronco geneticamente iguais a do paciente doador (de células da pele, por exemplo). Ainda tem a grande vantagem de não serem rejeitadas e comprovadamente não geram tumores, de acordo com o recente anúncio de resultado positivo em experiência científica feito em publicação especializada pelo grupo coordenado pelo Dr. Yamanaka em fevereiro de 2008. No mesmo mês, foi apresentada uma significativa melhora no método de obtenção das células iPC, num encontro sobre células-tronco, em Nova York, por John Sundsmo, presidente da PrimeGen, Irvine, CA, EUA. De acordo com Sundsmo, células de pele, de rim e retina incorporaram partículas de carborno que transportavam em suas superfícies proteínas responsáveis pela transformação destas células em células pluripotentes, mais rapidamente e com eficiência 1000 vezes maior, sem ricos de produzirem cânceres. O processo está sendo patenteado. Pensamos que tem sido pouco divulgadas, ou mesmo negadas informações tão relevantes à população em geral e aos portadores de doenças graves e suas famílias. Na falta da informação correta e precisa, luta-se pela liberação dos experimentos com células-tronco embrionárias humanas, muitas vezes desconhecendo o fato de que estas, até agora, somente foram injetadas em camundongos, gerando rejeição e, com freqüência, tumores, não podendo portanto sequer serem testadas em seres humanos, em razão dos graves riscos à saúde e mesmo vida dos pacientes que isso poderia implicar.
11. Manifestamos nossa solidariedade aos portadores das diversas doenças que podem ser tratadas com as células-tronco adultas, com a linha de pesquisa dos fatores celulares, que também já tem dado resultados positivos, ou com as novas células-tronco pluripotenciais induzidas (iPCs), quando estiverem em fase de teste clínico, o que temos confiança e esperança de que não deverá demorar, beneficiando assim os pacientes e seus familiares.
12 – Nos colocamos solidários, também, com as crianças resultantes de fecundação in vitro e suas famílias. Entendemos que o único destino dessas meninas e meninos, conforme sua intrínsica e inalienável dignidade humana, é o mesmo que motivou sua fecundação, ou seja, serem filhas ou filhos, inseridos em uma família. Deve se buscar, pois, condições e soluções para que prossigam o seu ciclo vital, mediante implantação no útero de suas mães biológicas, ou de outras que os acolham ou adotem. O tempo de congelamento não é empecilho para tal, como foi demonstrado recentemente por Vinícius, com seis meses de nascido, após oito anos de congelamento, acolhido no útero de sua mãe, Maria Roseli. Ele é uma das mais de 400 crianças nascidas, após haverem sido crioconservadas (congeladas) “a maioria acima de três anos de congelamento”, em uma só clínica de fertilização. Esclarece o médico responsável pela clínica: “É uma loucura falarem que embrião congelado há mais de três anos é inviável. E isso não tem nada a ver com religião. A viabilidade é um fato e ponto.” (Folha de São Paulo, 9 de março de 2008, “O Bêbê que Saiu do Frio”) Vinícius e outras crianças que estiveram congeladas por mais de três anos o demonstram claramente.
13. Sendo o Brasil um país que não dispõe de grandes recursos para aplicação em pesquisa, é crucial que sejam bem empregados. No que se refere à busca de terapias, certamente o campo das células-tronco adultas é já uma realidade, e muito mais promissor para o futuro, conforme reconhecido por grandes cientistas internacionais. Verifica-se, do que foi exposto, que o respeito à vida e à dignidade do ser humano, que deve informar toda a pesquisa científica, não está dissociado de resultados
terapêuticos positivos, mas sim a ele associado.
Dra. Alice Teixeira Ferreira – Professora Associada de Biofísica da UNIFESP/EPM na área de Biologia Celular
Dra. Cláudia Maria de Castro Batista – Professora do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ
Dr. Cláudio Fonteles – Subprocurador Geral da República
Prof. Hermes Rodrigues Nery – Movimento de Defesa da Vida da Arquidiocese de Taubaté – SP
Dr. Humberto Leal Viera – Presidente da Associação Nacional Pró-Vida-Família
Jaime Ferreira Lopes – Assessor Parlamentar
Dra. Lenise Aparecida Martins Garcia – Professora do Departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília
Pe. Luiz Antonio Bento – Assessor Político da CNBB
Dep. Luiz Bassuma – Deputado Federal – BA
Marco Antonio G. Araújo – Assessor Parlamentar
Dra. Maria Dolly Guimarães – Presidente da Federação Paulista dos Movimentos em Defesa da Vida de SP
Dep. Miguel Martini – Deputado Federal – MG
Dr. Paulo Fernando Melo Costa – Assessor Parlamentar
Dr. Paulo Silveira da Silva Martins Leão Junior – Presidente da União de Juristas Católicos do RJ
Dra. Renata Braga Klevenhusen – Coordenadora Adjunta do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá
Susy Gomes – Assessora Parlamentar
Dep. Dr. Talmir Rodrigues – Deputado Federal – SP